No centro de informações turísticas de Sucre, eu já havia perguntado sobre o buscarril de Aiquile e os atendentes só sabiam da linha entre Sucre e Potosi. Ficaram surpresos com a informação de que havia uma linha entre Aiquile e Cochabamba e, mais surpresos ainda, com o meu interesse.
O recepcionista do Hostel Rosita também desconhecia e apenas me indicou a direção da estação de trem. Tive receio que o serviço já estivesse desativado ou que as informações da internet estivessem equivocadas.
Cheguei na estação antes das 7:00 e para meu alívio lá estava o buscarril, estacionado ao lado da plataforma. Na parede da estação uma placa com os horários e pontos de parada. A viagem a partir de Aiquile só acontece às quartas, sextas e domingos, saindo às 8:00.
Buscarril Aiquile-Cochabamba |
Buscarril na Estação de Aiquile |
Trajeto e horários |
Como ainda era cedo fui procurar um lugar para tomar café e entrei no mercado municipal. No andar de cima havia muita gente sentada em volta de grandes mesas. Pedi um café puro, uma empanada e um pãozinho, este último para levar na viagem.
Lamentei não ter tempo para conhecer melhor Aiquile, a capital do charango. O charango é um pequeno instrumento de cordas, originalmente feito da carapaça do tatu (que dó...) e que atualmente é feito com madeira. No mês de novembro acontece um festival que reúne charanguistas famosos e muita gente que aprecia esse instrumento .
Na cidade há o Museu do Charango que eu gostaria de ter visitado.
Praça de Aiquile |
Quando retornei a estação já havia algumas pessoas aguardando o embarque. Esse transporte ainda é utilizado pela população mais pobre, que tem uma opção bem mais barata que o ônibus (Bs 20 até Cochabamba).
O motorista, que também atua como mecânico, estava fazendo alguns ajustes na parte de baixo do veículo, enquanto o cobrador ficava no bagageiro subindo as sacolas dos passageiros.
Por dentro o buscarril é igual a um micro ônibus. Me sentei no primeiro banco e me senti como uma criança que ia andar pela primeira vez na montanha russa.
E a sensação é bem parecida, a gente sente a trepidação sobre os trilhos e aquele barulhinho de trem velho.
Ao longo da ferrovia o veículo vai parando para as pessoas subirem ou descerem. É difícil embarcar fora das plataformas, porque o veículo é bem alto e eu vi muitas pessoas idosas encarando esse desafio.
A parte inicial da viagem não tem paisagens muito empolgantes, mas não chega a ser monótona. O cenário é muito árido, ainda mais nessa época, final da estação seca. Passamos por muitos paredões rochosos e alguns túneis.
Paisagem árida |
O verde começa a aparecer mais |
Início da região montanhosa |
Belas paisagens |
Depois de duas horas e meia de viagem é que a paisagem começa a mudar. A ferrovia contorna montanhas e vales, revela cascatas e riachos. Fiquei imaginando com seria linda essa viagem em época chuvosa, com um volume maior de águas nas cascatas, a vegetação mais verde e mais flores pelo caminho.
Passada a região de montanhas, a poucos metros da estação de Sacabamba, o buscarril saiu dos trilhos. A traseira deslizou para o lado, sacudiu e por pouco o veículo não tombou. Muita gritaria, um grande susto, mas estávamos todos bem. Descemos com a dúvida se seria possível prosseguir, faltando 80 km para chegar a Cochabamba.
Descarrilamento |
Tentando colocar o buscarril nos trilhos |
Muitos curiosos vieram ver o que estava acontecendo. Entre eles o Juan, um funcionário do setor de saúde de Cochabamba que estava participando de um treinamento no hospital do vilarejo. Muito simpático, ficou de papo comigo enquanto o pessoal tentava recolocar o buscarril sobre os trilhos.
As rodas dianteiras estavam sobre os trilhos, mas as rodas traseiras não. Arrasta daqui, empurra dali, coloca pedras e, uma hora depois, conseguiram. Comemoração precipitada, pois o eixo estava danificado e havia um risco muito grande de descarrilar novamente. Não restou outra alternativa ao condutor, a não ser dizer aos passageiros que buscassem outra forma de chegar ao seu destino.
Eixo danificado, fim da viagem |
No local não havia ônibus, nem táxi, mas a sorte estava ao meu lado: o Juan me ofereceu uma carona até Cochabamba, só teria que esperar uns 15 minutos, até o pessoal que estava com ele concluir o treinamento. Peguei a minha mochila e fui com Juan até o hospital. Sentei em um banco no pátio e fiquei aguardando. O hospital era muito limpo, com ambulância na porta e, enquanto eu esperava, chegou um homem com o pé machucado sendo carregado por dois rapazes. Nem precisou esperar, foi prontamente atendido. Que bom se fosse assim no Brasil...
Não demorou muito e Juan apareceu com mais dois rapazes e uma moça. Embarcamos em um jipe e fomos pra Cocha.
Juan, o meu anjo da guarda |
Chegando lá, eles me deixaram em uma avenida próxima ao centro e Juan me orientou a pegar um táxi identificado com uma letra(que agora não me lembro qual era). A maioria dos táxis são compartilhados e uma letra no parabrisa indica o trajeto. Paguei Bs2 no táxi e desci muito perto do Hostal Central onde eu tinha uma reserva. O dormitório com banheiro privativo era limpo e confortável (Bs 90). À noite, enquanto eu bebia uma cerveja Taquiña, fiquei pensando por quanto tempo ainda o buscarril irá resistir. Será que dará lugar a um novo sistema de trens, ou o serviço será completamente extinto? Se a linha fosse modernizada, talvez atraisse mais turistas, porém deixaria de ser uma opção para as populações mais pobres. Por outro lado seria um desperdício paisagens tão lindas se tornarem inacessíveis. Me senti privilegiada por ter desfrutado dessa viagem (ainda que incompleta), mas triste por saber que em pouco tempo o valente buscarril deixará de circular.
Segue um vídeo (de má qualidade, já vou avisando), mostrando um pouquinho da viagem.
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